No final de junho de 2022, o ITESCS, com a contribuição dos parceiros Energimp S.A. (geradora de energia eólica localizada no Ceará) e Byte Girl (comunidade de tecnologia com o objetivo de promover a inclusão de mulheres na área de exatas), formou a sua primeira turma do projeto Fábrica de Futuro. O projeto, idealizado pelo então presidente do Instituto, Luiz Schimitd (gestão 2018-2021), foi desenvolvido com o objetivo de capacitar alunos, jovens de baixa renda, na área de Tecnologia, buscando a geração de empregos e dando a eles uma nova perspectiva.
A conclusão dessa primeira turma nos traz um sentimento de dever cumprido, para que, a partir de agora, com o projeto em funcionamento, o Instituto possa seguir capacitando novos jovens e contribuindo para o desenvolvimento profissional dos participantes, da região e de todo o ecossistema local.
Entrevistamos o responsável pelo Departamento de Educação do ITESCS e Coordenador do projeto Fábrica de Futuro, Walter Ramos de Siqueira Júnior, que trouxe mais informações sobre esta primeira experiência. Leia abaixo:
Quando teve início e como funcionou esse 1º ciclo do Programa Fábrica de Futuro?
Em janeiro de 2020, fui convidado para reativar o departamento de educação do ITESCS, para coordenar o Projeto Fábrica de Futuro, idealizado pelo então Presidente do Instituto, Luiz Schimitd. Começamos a fazer o projeto piloto em uma escola estadual em Santo André, Tivemos um mês e meio de aula, porém, com a chegada da pandemia tivemos de aguardar para podermos retomar. Fizemos uma nova tentativa, de forma on-line em 2021, mas também não foi possível, pois os alunos não tinham internet, equipamentos e, o mais grave, não tinham ambiente de estudos em casa. Em novembro de 2021, quando foi permitido o retorno das aulas pelo Governo do Estado, fizemos um intensivo com esses alunos e conseguimos viabilizar o projeto e entender melhor a didática que deveríamos usar.
Por conta disso, um grupo do Ceará, que trabalha com organização de eventos de tecnologia, o maior grupo inclusive de inclusão digital para mulheres, o Byte Girl, soube desse trabalho e nos convidou para montar um programa para uma vila do interior do Ceará, uma comunidade chamada Morgado. As aulas tiveram início em 14 de fevereiro deste ano e terminaram no dia 28 de junho, com a formatura deles.
Quantos e quais profissionais participaram deste projeto?
Realizamos esse projeto em cinco pessoas: uma gestora financeira, dois monitores e dois professores, eu e o Julian Ponce, um ex-aluno meu que dá aula junto comigo, da parte técnica; mais dois monitores do Ceará, que passaram por um treinamento com a gente, e que, a partir da segunda edição, eles já irão atuar como professores no projeto.
Quantos jovens participaram, de qual faixa de idade?
Concluíram o curso 20 alunos, entre 17 e 34 anos. Desses 20, tivemos 12 alunas e 8 alunos.
Como foi o dia a dia do projeto?
O projeto foi desenvolvido em três turmas, por meio da empresa patrocinadora, a Energimp S.A., tivemos como infraestrutura uma sala, montada na comunidade, com nove máquinas, ar condicionado e internet.
Com essa estrutura, pudemos trabalhar com uma turma às segundas e quartas-feiras, outra às terças e quintas e mais uma às quintas e sextas-feiras, em uma comunidade vizinha. Os alunos foram convidados a participar gratuitamente e percebemos, logo no começo, que eles tinham interesse em aprender, mas a maioria não acreditava que pudesse trabalhar com tecnologia; que é uma outra realidade, um “outro Brasil”. Então, passamos a trabalhar de duas formas: uma aula técnica e uma aula de gestão pessoal, isto é, de autoconhecimento e inteligência emocional, isso foi abrindo perspectivas. Fazendo pesquisas, usando a tecnologia, os computadores com internet, vendo o mercado de tecnologia no mundo, o crescimento, o mercado, as inovações e o que os especialistas falam sobre o futuro; tudo isso foi abrindo a mente, esses alunos foram se familiarizando com esse tema.
A outra aula na semana era de aprender a fazer uma programação básica, lógica básica, a linguagem das máquinas; no final eles tinham que produzir um site, aprender a fazer um site. então criaram uma empresa fictícia, cada um com um propósito, idealizaram uma marca; criaram site pra essa marca e simularam como se eles fossem o próprio cliente e desenvolveram esse site ao longo do curso; a cada semana aprendiam uma ferramenta nova, que era, então, colocada em prática.
Quais os diferenciais percebidos nesta 1ª edição?
O grande diferencial está nessa mentoria que a gente conseguiu aplicar, fomos acompanhando a rotina deles semanalmente, a vida, a realidade, eles falavam muito do lado pessoal, do dia a dia; isso em um curso de programação, de tecnologia, aparentemente não teria nada a ver, mas foi o grande diferencial que vimos, pois quando a empresa (Energimp) ia visitar a comunidade, recebia um feedback muito positivo, para além daquilo que esperavam. Foi um feedback tão positivo que agora a Energimp está renovando a parceria, desta vez com dois projetos de tecnologia: um avançado em programação e outro de inclusão digital, justamente pela satisfação que a comunidade teve.
Percebemos que não adiantava simplesmente fornecer o curso, mas fazer um trabalho de mudança de mentalidade, de ampliar a perspectiva dos alunos para que dê certo, qualquer projeto socioeducativo na verdade. Foi um grande aprendizado para a gente, inclusive.
Qual o objetivo no início? Quais os ganhos obtidos no final, ocorreu conforme o esperado? Precisou de adaptações durante o programa?
O projeto inicial previa um curso de segunda à sexta, cada dia trabalhando uma disciplina, mas, para esse modelo, reduzimos a dois encontros semanais, sendo um técnico e outro nesse trabalho de gestão, de autoconhecimento. A adaptação foi que o curso foi feito on-line, o que antes, em 2020, foi planejado para ser presencial. E quando trabalhamos com inteligência emocional, numa sala de alunos presencialmente, temos dinâmica, muitas atividades são feitas em grupos, para eles perceberem, sentirem, desenvolverem o tema que estamos propondo. E a distância foi desafiadora, porque tínhamos de fazer isso pelas câmeras, a gente não conseguia que todos tivessem câmeras, eu tinha uma câmera na sala pela qual eu via os alunos praticamente de costas, e eu conseguia conversar com eles pelo microfone. E as atividades, que até então a gente já atuava presencialmente, não poderiam ser feitas, tinham que ser todas on-line, então foi um grande desafio mesmo, mas no final funcionou muito bem.
E os participantes? Quais suas expectativas e resultados?
Quando o Luiz (Schimitd, então presidente do ITESCS) idealizou, partimos do princípio que faltava criar oportunidade, ou seja, um curso gratuito, acessível, para que as pessoas pudessem aprender programação e serem incluídas digitalmente. Só que a grande verdade, é que dependendo da comunidade, do local que estamos trabalhando, eles nem veem que esse curso seria para eles, eles não se veem trabalhando no computador, eles não têm computador em casa, a maioria tem celular, mexem no celular com facilidade, mas tem uma questão de digitação no teclado, não tem intimidade nenhuma com um computador.
Dessa realidade, pra virar um programador, é um abismo, e quando eles começaram a fazer essas pesquisas e entender o que estava acontecendo no mundo, a tecnologia presente em tudo quanto é lugar e pra você trabalhar em uma loja… eu digo loja, porque, no caso do Ceará, os empregos que eles têm em mente é de trabalhar em loja, em comércio, então o que eles têm como perspectiva é trabalhar numa dessas lojas. Então, por exemplo, ir para uma cidade vizinha e trabalhar em uma loja com carteira assinada é o que eles têm, ou tinham, de perspectiva. E então quando eles fizeram esse curso, fizeram porque estão sem emprego, isso vai ajudar no currículo, mais ou menos assim.
A gente percebeu que era uma minoria que tinha realmente uma vocação verdadeira para programação, a grande maioria tinha outros sonhos, então essa foi a maior adaptação que a gente teve que fazer no programa. Como é Fábrica de Futuro, e a gente do ITESCS mexe com tecnologia, nos deparamos com uma tecnologia humana, esse foi o grande segredo a ser trabalhado.
As pesquisas sobre esse universo da tecnologia, quando eles começam a descobrir que pessoas trabalham de qualquer lugar do mundo, que empresas mandam um notebook pra casa da pessoa para ela trabalhar, isso é surreal, tanto é que quando eles comentavam isso em sua própria casa, os próprios pais falavam que isso é impossível, que não existe. Então percebemos que ter o apoio dos pais é muito raro, ter um pai apoiando que esse aluno continue estudando depois do ensino médio, na maioria das famílias, a pressão é para que eles arrumem um emprego, que eles casem, é um outro jeito de pensar. E ao mostrar essas possibilidades a eles, é como se estivéssemos falando de um sonho, de algo que não existe, nesse sentido as pesquisas ajudaram muito. A hora que eles foram se deparando com isso, vendo vídeos, entrevistas, foram descobrindo que há vários cursos que são ofertados gratuitamente, pela própria Google, pelas universidades americanas, mas o desafio maior que descobrimos foi esse, o público identificar que isso é para eles, entenderem que aquilo pode ser para eles. Esse foi o maior desafio e esse é o perfil dos participantes em geral.
A princípio, o objetivo era criar oportunidades para jovens entrarem no mercado de trabalho em tecnologia. O salário mínimo na área de tecnologia, ele é superior a qualquer outro ramo de atividade. Então, normalmente, por menos que se pague em um salário no mercado de TI, ele é mais alto do que nos outros setores.
Como está o mercado de trabalho na área para a qual esses alunos foram capacitados?
Hoje existe um mercado muito grande expandindo sem mão de obra qualificada para isso. Então o nosso objetivo inicial é fazer essa ponte, preparar esse jovem, sobretudo, a se capacitar e a ocupar essas vagas.
No mercado de tecnologia, se fala de um “apagão”, já vivemos esse apagão de mão de obra de tecnologia. O Carrefour, por exemplo, contratou uma empresa e abriu milhares de bolsas para esse tipo de treinamento; o Santander, 15 mil bolsas, são empresas contratando outras empresas de treinamento de tecnologia oferecendo gratuitamente, eles mesmo contratam os alunos que julgarem melhor, e, ao mesmo tempo, capacitam para o mercado, porque entenderam que estamos vivendo um déficit muito grande, essa é uma realidade.
Quando vemos o país precisando gerar empregos e, ao mesmo tempo, uma demanda tão grande, tem um trabalho enorme a ser feito, e esse era o nosso objetivo principal. o que a gente aprendeu é que não era só oferecer o curso, precisa de um trabalho com esse jovem, sobretudo mais carente, entender que é possível ele ocupar esse tipo de vaga e para a gente também entender, como educador, que é possível trabalhar esse desenvolvimento humano, a distância, que dar aula a distância, pela tela, não é tão complicado, estão aí as universidades, cada vez mais, com aulas EAD crescendo e dá muito certo, mas fazer projetos de educação, de inteligência emocional, essa mentoria, isso foi uma grande adaptação pra gente.
Ficamos muito felizes de colher os resultados obtidos, mesmo com mais de 2 mil km de distância.
O projeto teve patrocinadores?
O projeto foi financiado pela Energimp S.A. (Energimp – Geração de Energia Sustentável), empresa de energia eólica do Ceará, que tem um parque em Morgado e outro em Santa Catarina. A empresa investiu na infraestrutura (sala com nove máquinas, ar condicionado e internet), no salário dos monitores e da gestora financeira do projeto. Eu e o meu ex-aluno, que é programador e mora hoje na Argentina, trabalhamos voluntariamente neste projeto.
A prova final foi uma prova surpresa, na qual os alunos tiveram que fazer um site, para um amigo, então dentro da sala, um fez um site para o outro, marcando o tempo. Foi muito interessante ver eles entrevistarem o colega, para gerarem o conteúdo para esse site, definindo cores, montando o menu, distribuindo tudo que eles aprenderam, e com a contagem do tempo. Essa avaliação final foi bastante gratificante, foi a avaliação final e o sentimento deles de conquista, de crescimento de autoestima, de serem capazes, isso foi muito diferente no nosso projeto.
A partir de agora, quais os planos para a continuidade do projeto?
Nós alugamos uma casa na própria comunidade, e ali iremos trabalhar desde os mais jovens, de 12 anos, com uma inclusão digital, estamos mapeando com o presidente da associação deles o número de habitantes, são 138 famílias, pouco mais de 300 pessoas, 40% vive de recursos do governo, auxílios emergenciais, o antigo bolsa família e os outros são aposentados e os jovens trabalham nos hotéis de Jericoacoara e região. Tem um mini mercado no vilarejo e não tem mais nada, tudo acontece fora, tem uma escola municipal de ensino fundamental que foi fechada, então foi disponibilizado um ônibus para transportar essas crianças para comunidades vizinhas. Então o nosso objetivo agora é reativar essa escola, estamos fazendo contatos professores, psicopedagogos, pois pretendemos trabalhar essas crianças desde cedo pra que, por conta disso que a gente constatou, que não adiantava só fornecer cursos de tecnologia, então iremos trabalhar essa questão da inteligência emocional, da auto estima, desde cedo, clube do xadrez, clube da leitura, por isso eu vim pra cá, vou ficar até dia 4 de agosto pra gente amarrar tudo isso.
E quanto a novas edições do projeto?
Estamos renovando o contrato com a empresa Energimp com dois projetos: um de inclusão digital, pelo qual 100% da comunidade vai ter acesso a computador, só não vai realmente aprender informática básica, perder o medo do computador, as pessoas que realmente não quiserem, talvez as de mais idade ou aquelas que não têm o mínimo interesse. Então nós criamos um projeto, um plano e otimizar a sala o tempo inteiro, essa sala que já está montada, para que 100% da comunidade tenha acesso e se sinta incluída digitalmente.
Nós estamos com oito alunos selecionados para começar um curso avançado de programação. Um dos alunos que participou da primeira turma está sendo capacitado neste mês, comigo, para que atue como professor, até porque ele tem a linguagem do próprio público, da comunidade e a gente está usando como referência, pois, como te disse, o desafio maior é fazer com que eles acreditem que é possível. Esse aluno já saiu do hotel em que ele trabalhava, está estudando inglês e a gente percebeu que a influência dele é bem positiva, é uma referência. E ele já vai participar agora da equipe, então aumentamos mais um na equipe para o segundo semestre.
Há planos de estender o projeto a outras regiões?
Sim! Estamos indo para Santa Catarina em agosto, a Energimp também tem um parque eólico lá, onde há uma comunidade maior, de quatro mil pessoas, também carente, e estamos indo para conhecer essa realidade, agora com um modelo mais preparado que vamos colocar nos dois lugares ao mesmo tempo. Já na região do ABC Paulista, como a flexibilização das restrições da pandemia, conversamos com a Diretoria do ITESCS para voltar a atuar na região. Agora, queremos ter os modelos acontecendo nas sete cidades, agora com um modelo pronto de aplicação, que vimos que funciona, e que pode ser feito on-line para qualquer lugar, essa é a nossa perspectiva de futuro.
Quais os grandes destaques do projeto?
Um dos grandes destaques desse projeto é que ele nasce com a tecnologia como a gente conhece, mas ele hoje é um projeto de tecnologia humana, foi um grande aprendizado e é isso que faz a diferença nesse nosso projeto.
Outra questão importante a citar é que ele está sendo formatado de uma forma que possa se tornar autossustentável. A ideia não é que o projeto termine quando acabar o curso, a ideia é terminar o projeto com um banco de talentos, que iremos divulgar para inserção desses profissionais no mercado de trabalho. À medida que esses alunos (ou alunos já formados) vão entrando no mercado de trabalho, eles se comprometem a “puxar” o outro, ou seja, parte do salário dele, modelamos isso a partir da ideia de uma escola chamada Trybe: na qual eles oferecem os cursos de graça para os alunos e quando os alunos conseguem um emprego acima de R$ 2.500,00 /mês, eles começam a pagar a escola, com um percentual ao salário deles, para que possa financiar o projeto para outros alunos. Então estamos conversando com eles, desenvolvendo isso, para criar algo para que a gente não fique dependendo das empresas, ele se torna autossustentável, isso significa que a gente pode atuar em outras regiões.
O projeto está aberto a novos patrocinadores?
Sim, o Fábrica de Futuro está aberto para participação de outras empresas que tenham interesse em nos apoiar. Na verdade, o apoio das empresas não é para manter o projeto acontecendo, mas dar o “start”, impulsionar, dar o pontapé inicial para que depois ele vá girando automaticamente. Essa é a nossa ideia, para que a gente não tenha riscos de ter interrupção do curso devido a questões internas de cada empresa apoiadora. Buscamos fazer com que o Fábrica de Futuro esteja diretamente ligado ao futuro mesmo, como o próprio nome diz, ele começa e vai se sustentando para se auto garantir, ele garante sua própria continuidade.
O projeto está em desenvolvimento, mas já estamos muito felizes pois já enxergamos a possibilidade de caminhar; e esse primeiro aluno que está entrando com a gente a partir deste semestre, já está vindo com essa mentalidade também. Um que sobre, já puxa o de baixo e a gente acredita que esse projeto vai se tornar autossustentável em cada região que for implantado.
Empresários que tenham interesse em participar apoiando o projeto devem procurar o escritório de Fortaleza, pelo telefone (85) 87430661 – falar com Ana Paula.
Walter Ramos de Siqueira Júnior, conhecido pelos alunos por Yoda. Empreendedor criativo, responsável pelo Departamento de Educação do ITESCS e coordenador do projeto Fábrica de Futuro.